Ele está morrendo... viva a vida!
- Ana Basaglia
- 12 de dez. de 2022
- 3 min de leitura
Meu pé de maracujá está morrendo...
Eu olho esse processo e não consigo deixar de admirar a vida.
Explico.
MORTE
Moro nesta casa há mais de uma década. O terreno é um aclive: tem o patamar da garagem, depois o patamar do estúdio e dos quartos, daí o patamar da sala/cozinha e área social, nos fundos da casa.
No segundo patamar, um belo dia, resolvemos quebrar o piso bem na porta do estúdio, fazer um buraco quadrado de cerca de 20cm, retirar o entulho, encher de terra e plantar um pezinho de maracujá doce. Ele tinha aproximadamente 30 cm de altura, foi comprado no Ceasa, no primeiro fornecedor que nos pareceu confiável. Nas pesquisas que fizemos, vimos que a planta tem expectativa de vida de uns 2 anos. O maracujazinho aqui está nos fazendo companhia há uns bons 5 anos, oferecendo flores perfumadas e lindas (muitas) e frutas (poucas, docinhas demais).
Mas... agora ele está morrendo.
Percebo isso acontecendo, dia após dia.
Seu tronco, antes firme e reto, está amolecido e segue entortando, cedendo ao peso de sustentar-se em direção ao céu e ao sol.
Outro dia um galho pendente nos premiou com algumas flores lindas e cheirosas (falei mais das muitas flores no meu Instagram, veja uma postagem aqui). E no meio dos galhos secos, agora tem uma última fruta, amarelando e pronta pra ser consumida / celebrada!
Entretanto, a maior parte dos galhos, outrora entrelaçados e potentes, agora estão secos e sem vida. Apenas uma parte pequena segue verde, o restante já não apresenta vida, é só gravetinho inerte disposto aqui e ali, esperando cair no chão, ou ser retirado por mão humana.
Morte.


VIDA
O pé de maracujá está cumprindo integralmente seu ciclo.
Da semente brotou, cresceu, foi selecionado por nós, plantado no local que escolhemos pra ele, amadureceu, virou árvore em todo seu esplendor e, pelos seus anos, rendeu frutos e flores, atraiu bichinhos, alimentou, deu alegrias, sombra, perfume, orgulho, prazer, sentido.
Ainda que seja uma árvore simples e muita gente ache que árvore seja só uma coisa (eu não acho, mesmo não tendo terminado de ler "A vida secreta das árvores" – veja uma resenha bacana aqui), essa planta merece minha reverência, por conta de sua trajetória.
Antes eu apenas desfrutava da sua presença, aproveitava seus frutos – e quantos significados múltiplos nessas ações, né, desfrutar, aproveitar, presença...
Nos últimos tempos, todo dia eu olho pra ela, aqui na porta do meu estúdio (primeira foto), ou da varanda da minha cozinha lá no último patamar (segunda foto) e me pego refletindo sobre a finitude que essa planta está cumprindo com estoicismo dia após dia, sem pressa e sem se furtar, resignada, altiva, natural.
Me deu mais uma fruta, provavelmente a última. Há tempos não vemos mais mamangabas (é tipo um besourão que poliniza as flores, pra virar frutos), mas ontem mesmo tinha um percevejo de maracujá liiindo (reconheço, o bicho é lindo mesmo, apesar de sugar a planta) sobrevoando por aqui. Não sei se novos botões de flores vão abrir mais algumas vezes. Em algum momento vou ter que retirar os galhos secos que simplesmente estão depositados nas travessas do pergolado. Ao entrar e sair, sempre dou uma checada no vigor do tronco principal, cada vez mais amolecido; mesmo assim, se tem galhos verdes lá no telhado, alguma seiva continua vertendo no interior desse tronco, né, e não tenho coragem de determinar seu corte final.
Isso é vida. Vida acabando, mas vida.
Talvez, dentro da minha perspectiva humana, pensando no nosso conforto, em algum momento mais pra frente a gente decida acabar com o pé de maracujá de uma vez, antes de sua morte total, visando plantar outra árvore (e eu até já decidi qual vai ser, a-lôka-das-plantas) que nos traga sombra, beleza, fruição.
Mas hoje o meu pé de maracujá vive. Com tronco fragilizado, com muitos gravetos secos, com fruto e galhos verdes vivos também.
Vida.
A pergunta que teima em pulsar na minha cabeça, insistentemente, é: o que mais tá morrendo por aqui, pra abrir espaço pra vida? O que cumpriu bravamente seu ciclo, mas está acabando, e talvez pre-ci-se ser ceifado de uma vez (ou talvez não, quem sabe definir isso, quando, como, porquê?), para que novas coisas surjam, novas construções, novos plantios, novos projetos, novas alegrias, metas, vidas?
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