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Da gratidão pela Lourdes

Não é exatamente novidade aqui nos meus textos que meus pais faleceram a pouco mais de um ano. Estavam bem velhinhos e foram se desligando desta vida de modo suave, sem atropelos ou dores; morreram na mesma cama que dividiram por todo seu casamento, na casa onde viveram nos últimos 50 anos. Eles moraram sozinhos por muito tempo após nós, os filhos, sairmos de casa, mas nos últimos anos precisamos voltar e monitorar e cuidar da rotina deles. A idade muito avançada impõe esse tipo de situação, de repente a pessoa não consegue mais cuidar da sua própria refeição, de tomar seus remédios, de perceber o parceiro desidratado ou sua saúde debilitada por qualquer outro motivo.

Para ajudar com a rotina diária, pudemos contar com o trabalho de cuidadoras contratadas através de uma empresa, que selecionava e enviava profissionais especializadas em acompanhar pessoas idosas e/ou doentes. Foram muitas mulheres, algumas amorosas e competentes, outras não tão boas (infelizmente). Mesmo assim, sou grata a cada uma delas, mesmo àquelas que levaram pequenos objetos da casa ou causaram alguma confusão. Lembro delas com compaixão, esse não é um trabalho fácil. Não sou tola para achar que é ok ser trapaceada, pois não é, mas sou sensível o suficiente para enxergar a situação extrema que algumas enfrentavam, mesmo a gente pagando (caro) à empresa contratada – e lamento que elas não se sentissem à vontade para me pedir o óleo ou açúcar que levavam escondido, eu não teria negado.

Além do mais, todas foram sempre muito carinhosas, em especial com minha mãe. Esse afeto direcionado a eles sempre foi o que mais me interessava. Afeto, alimentação, atenção, respeito, paciência e um mínimo de ordem, isso sempre tivemos.

No final, encerramos o contrato com a empresa e passamos a contar com uma cuidadora especial: a Maria de Lourdes. Lourdes, Lurdinha, moça da comida, menina, ôôô… Minha mãe adorava conversar com ela, meu pai, que já não falava, a buscava com o olhar. Nas últimas semanas, minha mãe esquecia o nome dela, mas não seu carinho. Em sua simplicidade, Lourdes foi muito mais que uma cuidadora, era uma mulher extremamente amorosa cuidando de uma senhora por quem nutria uma grande amizade. Sei que uma relação de trabalho não deve se misturar com uma relação pessoal, os pagamentos (e todos os direitos) foram feitos corretamente, mas reconheço, ali claramente tinha muito mais que um trabalho.

Lourdes sempre me disse que ficaria “até o final”. A gente sabia, mesmo sem dizer em voz alta, o que isso significava. E ela ficou. Minha mãe faleceu segurando na mão dela. E ela estava lá no último suspiro do meu pai, 2 dias depois.

Sou profundamente grata por ter podido contar com a presença, o trabalho e o amor dessa mulher forte, amorosa, generosa. Por conta do apoio dela, o falecimento dos meus pais me foi suportável. Por que ela estava lá. Por que meus pais estavam onde queriam estar, mas não estavam sozinhos. Eles tiveram a Lourdes. Eu tive a Lourdes.

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Lourdes voltou a procurar trabalho como cuidadora. Ela é uma senhora, acabou de passar por uma situação muito triste (perdeu uma de suas filhas, por complicações de Covid-19), precisa se recompor, emocionalmente, financeiramente. Eu tenho vontade de guardar a Lourdes num vidrinho, de tão preciosa que ela é, mas isso não é possível, claro. Se você estiver precisando de uma cuidadora competente e amorosa, em São Paulo, me chama que eu passo o contato da Lourdes.


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Eu devia escrever mais aqui, eu sei. Em minha defesa, digo que às vezes escrevo nos meus caderninhos de papel. A vida nos pede coragem. Até mesmo pra escrever…






 
 
 

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