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Capricho


Quando eu era criança e perdia de vista alguma coisa e perguntava pra minha mãe, ela respondia "pergunta pro capricho", como quem se exime da responsabilidade de ter esse tipo de resposta. Depois que meus filhos nasceram, repeti ad nauseam essa estratégia, na tentativa de demonstrar que eles devem ser responsáveis por suas coisas, pela guarda delas, pelo cuidado e vigília do que lhes é importante, eles e principalmente eles, não eu, ou uma outra terceira pessoa qualquer.


* * * * * * *


A cabeça aqui segue fervilhando com mil ideias, pensamentos, reflexões. Mal consigo dormir à noite, durante o dia a coisa não melhora, a cabeça pula de um tema pra outro numa velocidade absurda, mal dou conta de fixar nalgum tema por mais de alguns minutos.

Viver no Brasil não ajuda, pelo menos pra mim, pelo menos nos últimos 4 anos, com esse desgoverno genocida de merda pautando (minh)a vida em sociedade.

Sim, de merda. E ainda misógino, agressivo, grosseiro, conflituoso, machista.

E olha que eu reconheço que tenho privilégios, não sou rycah mas não passo fome, tenho um teto, estrutura básica e mais. Ainda assim, me sinto desenergizada, fraca, desequilibrada.

Entretanto, não é esse o ponto, o ponto neste momento é CAPRICHO.

Apuro, primor, esforço, esmero, primor, cuidado.

Capricho.

Tenho percebido, cada vez mais, que busco aprimorar as coisas ao meu redor: a vida familiar, o cuidado da casa, a escrita, o pensamento, a rotina, o posicionamento perante o grupo social, o trato com as pessoas, o estudo, o trabalho, o estúdio.

Obviamente, não dou conta de tudo. Não dou. Mas gostaria, muito. E enxergo claramente, cada vez mais, onde tem capricho e onde não tem, onde tem esculacho, má vontade, leniência, preguiça, desamor pelas relações, coisas, pessoas. E isso me irrita num grau imenso, olha o paradoxo! Não consigo a excelência, mas me irrito com a falta da excelência.

Capricho. A falta dele tá acabando comigo.

WPP, sei disso. Mas se isso me empaca, como desconsiderar?

Capricho.

A cozinha limpa, organizada, louça sem vestígios de gordura, empilhadas nos tapetinhos de borracha pra escorrer a água organizados em paralelo com a parede da pia. Rodinho que puxa todo excesso de água, paninho bem torcido e secando sem manchar a tábua de madeira do carrinho de apoio. Panos de prato e de mão, claramente diferenciados. Troca constante desses panos. E sem manchas, na medida do possível. Chão limpo, sem farelos ou fios de cabelo, comprido ou curto. Cair cai, mas varre-se, porque pisar descalça em chão com farelo é ridículo. Mesa sem farelo. Sofá sem farelo. Cadeira sem farelo. Vida sem farelo. Sem farelo. Geladeira sem comida antiga em potes mal fechados. Alimentos nas prateleiras certas – sim, tem prateleira adequada pra comida mais sensível ao frio, assim como tem pote que 'mora' na porta da geladeira e se um dia não é colocado ali a gente perde um tempão procurando, né? Louça empilhada com ordem nos armários: pratos maiores por baixo, tijelinhas pequenas por cima, o equilíbrio tosco de vidros arrisca quebrar – a louça e o humor. Ainda no espaço da cozinha/sala, almofadas distribuídas alinhadas pelo assento, sem estarem equilibrando no espaldar do sofá, pra acomodar uma cabeça que não está mais ali. Mantas dobradas no canto, um asseio e um convite pra se sentar com conforto novamente. Sem copo, garrafa vazia ou pote de amendoim perdido no cantinho do sofá, pra evitar algum chute indelicado. Caiu o quadro? Pode acontecer, 'bora pendurar novamente, afinal decoração e ambiente harmonioso são importantes. Ahh, e aquele outro enfeite de parede não esconda, ou você gosta e ele está pendurado junto com o quadro, ou você não gosta e joga fora, simples, vai.

Capricho.

O mesmo conceito nos quartos.

Na lavanderia.

No banheiro.

Na garagem.

No quintal.

E na vida!

Capricho nas relações interpessoais.

Ouvir, conversar, emitir opinião, ponderar, perguntar, partilhar, se exasperar com o que é absurdo, dar risada com o que é terno, olhar olho no olho, sorrir com o olho sem precisar falar nada. Não desdenhar do que é importante pro outro. Saber o que é relevante e o que é besteira. Não dizer besteira, quase nunca, pois a idade ensinou a reconhecer isso num piscar de vista. Saber falar quando é necessário, saber calar por que a comunicação acontece mesmo sem palavras.

Capricho.

Que em 2023 eu encontre e fique em paz com o capricho que me deixa feliz.

E que eu consiga, finalmente, descartar sem olhar pra trás todo descaso, relaxo, desmazelo, indiferença, preguiça, folga, terceirização, má vontade, negligência, tudo que me enlouquece e desequilibra.

Capricho, onde você está?

Capricho, vou te usar!

Que em 2023 eu consiga conviver com o capricho que eu acho que mereço. Porque eu mereço mesmo, uai. Porque eu quero. Porque eu determino assim. Porque eu me priorizo. Porque eu me amo. Porque só me amando em primeiro lugar vai ser possível amar e honrar as outras pessoas que merecem meu amor.

2023 vai ser o ano do capricho todo dia!


* * * * * * *



PS: um drink no capricho é delícia mas, meu bem, é só um drink, capricho é bom e eu mereço MAIS.


 

[texto iniciado em set/22; revisado e publicado em dez/22]



 
 
 

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